quarta-feira, 15 de maio de 2013

Casos de HIV entre jovens dobram em Vila Velha em um ano



Texto: Emerson Cabral / Foto: Semcom

centro de atendimento - DST-Aids - Imagem: Eduardo Ribeiro
“Meu nome é Daniel, sou estudante, moro em Vila Velha e tenho 21 anos. Em maio do ano passado descobri que tenho HIV. Nesta época, eu mantinha uma relação com outro rapaz, que havia descoberto ser portador do vírus da AIDS em novembro de 2011. Nós vacilamos algumas vezes e não usamos camisinha. Foi uma questão de tempo para que eu me contaminasse. Quando a nossa relação terminou, entrei em depressão e decidi contar para a minha mãe minha condição de homossexual e que eu estava com HIV. Fiquei muito abalado, mas felizmente estou melhor hoje. Não sinto vontade de me relacionar com ninguém no momento, mas se isso acontecer eu quero que seja com outro HIV positivo. Não quero sentir culpa nem correr riscos”.
“Eu me chamo Roberto e tenho e 26 anos. Trabalho como visual merchandising. Há dois anos eu estava em uma relação e acabei não usando preservativo com meu namorado. Depois disso, ele me contou que era HIV positivo. Por dois anos eu imaginei que também pudesse ter HIV, mas não fazia o teste por medo. Até que há dois meses eu tive um problema de saúde, que me fez fazer o teste. Não me surpreendi com o resultado positivo por que já desconfiava. Senti muita raiva dele, por ele ser da área de saúde e saber de sua condição. Foi muita falta de respeito comigo. Apesar disso, sei que não tem como culpá-lo por que a responsabilidade é minha, por não ter me prevenido. Me arrependo, mas tenho consciência disso. As pessoas precisam se cuidar. Não se vê tudo olhando para a cara das pessoas. Eu não penso em me relacionar com ninguém. Estou bem sozinho. Contei apenas para a minha mãe de consideração e não quero envolver minha mãe biológica nessa história. Eu não sou de me deprimir ou me desesperar por causa disso”.
Daniel e Roberto são nomes fictícios, mas as duas histórias relatadas acima são verdadeiras. Os dois fazem parte de uma estatística preocupante. O número de jovens infectados pelo vírus HIV mais que dobrou em um ano no município de Vila Velha. Em 2011 o Programa DST/AIDS da Secretaria de Saúde do município registrou 21 exames positivos para HIV entre jovens de 18 a 29 anos. No ano seguinte, 2012, os novos casos de HIV notificados nessa mesma faixa etária subiram para 43. Em 2013, até o dia 08 de maio, já são 18 novos casos de jovens entre 18 e 29 anos infectados pelo HIV. Entre todas as idades, os novos casos de HIV também deram um salto em Vila Velha. Em 2011 o município registrou 41 exames positivos contra 103 no ano de 2012.
Para a médica do Programa de DST/AIDS e Hepatites Virais, Dra. Nilzete Messner da Silva Bispo, os dados levam a uma reflexão importante sobre o comportamento sexual da juventude. “Os jovens não têm medo. Não é como na década de 80, quando as pessoas morriam de AIDS rapidamente. Vários artistas morreram de AIDS e acho que isso fez aquela geração sentir mais medo da doença. Infelizmente esse medo já não é o mesmo nos dias de hoje”. Acompanhe abaixo a entrevista com a médica.

Novos casos de HIV entre jovens de 18 a 29 anos

2010 – 20
2011 – 21
2012 – 43
2013* - 18 (* até o dia 08 de maio)

Exames positivos para HIV em Vila Velha (total entre todas as idades)

2010 – 37
2011 – 41
2012 – 103
2013* - 41 (*até abril)

Teste
O cidadão que quiser fazer o teste deve ser dirigir ao:
Centro de Testagem e Aconselhamento DST/Aids – Prédio da Secretaria Municipal de Saúde, Avenida Castelo Branco, 1.803, Centro de Vila Velha, telefone 3139.9151


Entrevista Dra. Nilzete Messner

Os números mostram um aumento considerável no registro de novos casos de HIV em Vila Velha nos últimos anos, especialmente na faixa entre 18 e 29 anos. A que se deve isso?

Eu acredito que é por dois motivos. Primeiro, por que o jovem não está se cuidando mesmo. Ele acha que a doença, vamos dizer assim, já banalizou e então está se cuidando menos. Segundo, por que eles têm procurado mais o serviço. Eles estão procurando fazer o exame quando há uma pequena sintomatologia.

Então há dois fatores. O comportamento sexual de risco e a visibilidade do serviço de testagem rápida para HIV. Seriam somente esses dois motivos principais para esse aumento de casos?

Sim, lembrando que nós também estamos indo mais atrás desse jovem. Estamos fazendo periodicamente testagem em bairros mais afastados com a nossa unidade móvel. Vamos a colégios e fazemos palestras. Essa divulgação faz com que o jovem nos procure mais. Quanto mais isso acontecer, melhor. Vai aumentar o número de novos casos, porém em compensação nós vamos conseguir frear a epidemia. Se estamos fazendo mais diagnósticos, esses vão se proteger e não vão passar para a frente.

O que a senhora destacaria da conversa que tem com esses jovens infectados pelo vírus HIV quando eles procuram o serviço para as consultas periódicas?

O que leva esses jovens a adotar um comportamento de risco é a falta de informação e eles acham assim, ah, eu não pego não! Tem alguns que falam “eu não peguei até hoje, eu não vou pegar”. Isso ai é machismo? Sei lá, é cultura antiga que ainda persiste. Em épocas passadas ninguém usava preservativo. Hoje, para iniciar a vida sexual usando camisinha, tem de ser conversado desde o início da adolescência, e isso falta. Falta muita conversa.

A geração que viveu a adolescência na década de 80, quando a Aids surgiu, conviveu com muitas personalidades que morreram por causa da doença, como Cazuza e Renato Russo. Com o passar do tempo e a evolução dos medicamentos, a doença deixou de ser tão letal como era naquele período. A senhora acredita que essa mudança afeta o comportamento do jovem de hoje?

As pessoas têm menos medo por que HIV não mata mais como matava antigamente. Mata, mas hoje a doença é crônica. O jovem tem menos medo. “Ah, se eu pegar não tem problema não”, eles falam, “é só tomar o remédio”! Eles sabem que podemos viver até a velhice com HIV. Deixou de haver medo. Só que falta ainda informação nas escolas. A escola tem por obrigação falar tudo desde a quinta série.

A família também, não?


E a família também, mas a família é mais conservadora. Às vezes a família repassa a responsabilidade para a escola. Algumas famílias acreditam que a escola é obrigada a ensinar tudo, e não é bem assim.

Muitos jovens que chegam para fazer o teste, quando descobrem que são positivos para HIV, não se surpreendem e “surpreendem” os profissionais do programa por essa reação tão insensível, digamos assim. A que a senhora atribui esse comportamento?

É verdade. Muitos já vêm aqui com uma interrogação na cabeça. Ele já acha que vai dar positivo pelo comportamento de risco que ele vem adotando, sexualmente falando.  Pela conduta dele, esse paciente já chega aqui quase com a certeza de que tem HIV, sem se assustar. Esses é que dão mais trabalho para a gente. Como eles não se assustam, eles também não vão aderir ao tratamento facilmente. Aquele que se assusta é aquele que não esperava mesmo. Faz o teste por fazer, mas não esperava ser HIV positivo. Eles tomam aquele choque e esses são os mais fáceis de adesão ao tratamento. Eles fazem tudo certinho. Os que não estão nem aí; esses são mais complicados!

Porque há muitos jovens que resistem em fazer o acompanhamento aqui no Programa DST/Aids da Secretaria de Saúde de Vila Velha?

Eu acho que é por que eles não aceitam o diagnóstico. Eles sabem que são, mas não aceitam. Sabem que se falarem para os outros vão sofrer preconceito. Eles falam “eu estou bem”! Mas quando eles ficam muito ruins, aí eles nos procuram. É quando o estado geral cai. Nesse ponto eles vêm para cá. Mas enquanto eles estão bem, fisicamente, eles acham que não tem HIV.

O que acontece com o portador do HIV que não faz o tratamento?

No início eles não vão fazer o tratamento, eles vão fazer um acompanhamento. Nós precisamos antes verificar qual é a carga viral desse paciente. Tem que ver ainda o CD4, que é a imunidade. Se esse paciente estiver bem, ele vai ser apenas acompanhado. Mas a gente sabe que o HIV é um vírus que diminui a imunidade. Como diminui a imunidade a gente precisa que as outras coisas, que também baixam a imunidade, não aconteçam. Precisamos ensinar a esses pacientes que eles têm de fazer uma boa alimentação, exercício físico e isso eles não querem. Se essas pessoas não fazem o que recomendamos, o risco é diminuir a imunidade até pegar as doenças oportunistas.

Quais são essas doenças oportunistas?

São várias, como pneumonia, sinusite e infecções urinárias. A pessoa pode ter uma toxoplasmose e, se já tiver tido contato, pode ser uma neurotoxoplasmose, além de tuberculose e outras doenças afins.

Quando é que o paciente passa a tomar os remédios conhecidos como antirretrovirais?

É quando ele passa da condição de portador do HIV para doente de AIDS. Ele tem de estar com o CD4 mais baixo, ou ele tem que estar com várias doenças, como a tuberculose. Febre por mais de dois meses, diarreia por mais de um mês. Nós temos vários pontinhos para cada um desses fatores que, somados, indicam um percentual x que vai dizer que aquele paciente está com AIDS. Nesse momento é quando se inicia o tratamento com os remédios antirretrovirais.

O remédio não cura. O que ele faz no organismo de quem tem Aids?

O remédio de fato não cura, mas ele age bloqueando o vírus e fazendo como que ele fique invisível no sangue. Então, o vírus do HIV fica indetectável no exame de sangue. A tendência é do CD4 subir. Como o vírus fica indetectável, não tem vírus circulando, ele também não vai agredir o cérebro, não vai agredir o coração, não vai agredir o rim nem o fígado, que são os pontos alvos do vírus HIV.

Isso significa que, além de se proteger do HIV, esse paciente estaria protegendo seu parceiro ou parceira sexual?

Sim. Quanto mais baixa a carga viral, se ele mantiver a carga viral indetectável, menor risco ele tem de transmitir o vírus. Só que isso não significa que ele possa ter sexo sem preservativo. Ele tem que ter o sexo protegido.

O fato de ele tomar o medicamento não significa que ele deixa de transmitir o HIV.

Não. É mais difícil, mas transmite.

Esses antirretrovirais trazem uma série de efeitos colaterais, não é verdade?

Ele dá dislipidemia, que é o aumento de triglicerídeos e colesterol. O que aumenta os problemas de insuficiência cardíaca. Alguns desses medicamentos são eliminados pelo fígado, outros pelo rim. Esses remédios podem causar insuficiência renal ou insuficiência hepática. Tudo isso é complicado. O próprio vírus dá problema de demência, pois ele mata os nossos neurônios, chegando até uma área da demência. Como o próprio remédio, ou alguns deles, que não protegem o cérebro. Eles não têm uma penetração muito boa no cérebro, então nós observamos envelhecimento precoce e uma série de outras coisas. Na maioria das vezes os pacientes sentem muita náusea no início do tratamento, mas só no começo. Os problemas mais graves vão aparecendo no decorrer do tratamento. É o caso da hiperbilirrubinemia. O paciente fica amarelinho, que vulgarmente é conhecido como tiriça, que é a icterícia.

Isso quer dizer que não é simples assim, pensar que a doença pode ser controlada e a vida segue normalmente.

Tem que ter uma vida mais regrada do que se pensa. Os efeitos colaterais dos remédios não são nada bons. E é com o passar do tempo que eles aparecem, não é de imediato. E quando os efeitos colaterais aparecem, não existem tantas drogas assim disponíveis que nos permita substituir uma pela outra. Todos acabam dando problema.

Para finalizar a entrevista, que conselho a senhora dá para a população no que diz respeito à prevenção do HIV?

Eu acho que qualquer um tem que ter em mente uma palavra: preservativo. É a única forma de se proteger. E tem que lembrar que através do sexo oral desprotegido também se pega HIV. Se nós sabemos disso, o que as pessoas deveriam fazer? Está em uma relação estável? Converse com seu parceiro ou parceira, façam os dois os testes para ver se não tem alguma doença sexualmente transmissível. Não tem nada? Faça um pacto de fidelidade! Se o casal resolver ter sexo fora da relação,  que os dois se protejam com preservativo nessa relação extraconjugal. Tem que ser mais ou menos por aí. É preciso ter amor à vida: a sua vida e a do companheiro ou companheira. Hoje nós temos que viver a vida do passado. Sexo deve ser encarado com fidelidade, coisa que atualmente é muito rara. O sexo está bem liberal nos dias de hoje. Não é que na época de nossos avós não existisse infidelidade, mas era bem menos que hoje em dia. Fidelidade é a palavra chave. Os jovens também devem ficar atentos e procurar fazer os testes, principalmente se fazem sexo sem preservativo. “Ah, mas eu esqueci”! Então vem cá e faz o teste. Se o preservativo rompeu, também venha até a nós. Vamos fazer o acompanhamento, explicar tudinho. Às vezes é necessário até tomar a medicação, mas precisa vir aqui e conversar com a gente.

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