segunda-feira, 6 de maio de 2013

VITOR GRAIZE ESTÁ NO LÍBANO 15




Domingo. É no mínimo curioso que A Noiva Síria tenha sido exibido justamente hoje no Forum des Images, em Paris, onde faço escala antes de voltar ao Brasil.
Deixei Btater na manhã de sexta-feira e na noite anterior a vila adormeceu ao som dos caças israelenses ecoando pelo céu nublado. Estávamos na casa do Tio Sami assistindo televisão quando ouvimos aquele ruído duro. Então eles disseram que não há vôos comerciais por ali, àquela hora sobretudo, e que só poderia ser Israel. “Eles estão sempre sobrevoando e fotografando”, alguém avisou.
Na sexta me ocupei das bagagens, das despedidas chorosas e dos vôos até Paris. No sábado à tarde, mandei notícias dizendo que estava bem e que a viagem tinha ocorrido de forma tranquila. Falei que jamais os esqueceria, nem as semanas inesquecíveis que passamos juntos. Pedi que se cuidassem - principalmente que não dirigissem como loucos.
No fim da tarde de quinta, o Amjed havia batido sua Mercedes na avenida principal enquanto na varanda eu narrava ao Salman como haviam sido os dias em Beirut. Quando percebemos a aglomeração lá embaixo, o Salman, com um admirável instinto paterno, ligou para Bilal e saiu sem dizer nada. Entendi, mas demorei um pouco antes de decidir acompanhar a situação no local da batida. Quando cheguei, havia cerca de quarenta homens “periciando” os veículos e discutindo as causas daquilo. O Amjed estava bem, afinal, mas depois de tudo resolvido e o carro guinchado, o clima na casa era o de um funeral: Calcab chorava e Salman apenas deixava o olhar vago pairando sobre as montanhas, sem muita coragem ou desejo de nos encarar enquanto velávamos um defunto de lata que custaria mais de dois mil dólares pra consertar.
Domingo. Volto a procurar por notícias da situação na Síria e me deparo com a manchete sobre o ataque de Israel em território sírio após invadir o espaço aéreo libanês na quinta-feira à noite e na madrugada de sábado para domingo. Lembro do som dos jatos de guerra.
Procuro a programação de cinema e encontro A Noiva Síria, a sinopse descrevendo um casamento druzo nas Colinas de Golã, território ocupado por Israel após a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Não é possível escapar das memórias recentes e da identificação profunda com tudo o que vi por lá. Ou, na frase que encerra a projeção, “uma vez que você cruza a fronteira é impossível voltar”.

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